sábado, 9 de março de 2013

Os cartolas e o valor da vida humana


A Confederação Sul-Americana de Futebol, a notória Conmebol, um feudo esportivo/comercial oligárquico, estipulou em US$ 200 mil a vida humana - esse foi o valor da multa aplicada ao Corinthians pelos incidentes provocados pela sua torcida e que mataram um adolescente boliviano, no jogo contra o San José, em Oruro, pela Copa Libertadores de América.
O dinheiro não servirá, como alguém de bom senso poderia supor, para indenizar a família do jovem pela perda irreparável. Seria uma atitude, se não suficiente para aplacar a dor de seus familiares, pelo menos indicativa de que até mesmo os cartolas têm coração.
O destino dos US$ 200 mil será outro: os cofres da própria Conmebol, como uma espécie de compensação pelo prejuízo que a entidade já sofreu pelo fato de o Corinthians ter disputado um jogo em São Paulo sem a presença de torcedores, cumprindo uma sanção preliminar da entidade.
Há quem diga que o único caminho possível para o futebol, aqui no Brasil e em qualquer parte do mundo, é a profissionalização.
Confesso que não sei bem o que isso quer dizer.
Se for esse tipo de exemplo que dá a Conmebol, acho que o mundo está mesmo perdido.
O futebol sempre foi, desde os velhos tempos da bola de capotão, mais que um esporte. Não à toa, o Brasil ficou conhecido como o "país do futebol", justamente por causa das paixões exacerbadas que o jogo despertava na quase totalidade dos habitantes do sexo masculino.
Por meio do futebol se construiu uma enorme indústria de entretenimento, que emprega milhares de pessoas e gira uma fortuna de dinheiro, Ao lado dessa, há outra indústria ainda maior, de produção de material esportivo, desde meias a sofisticadas camisas dos times, passando, é claro, pelas multicoloridas e também absurdamente caras chuteiras.
Nos gramados, os jogadores, muitos dos quais com visíveis limitações físicas e técnicas, tentam fazer o que se espera deles, ou seja, vencer o jogo em primeiro lugar, ou dar um espetáculo que compense os caros ingressos, pelo menos.
Os clubes que mantêm esses atletas, praticamente sem exceção, penam para pagar os salários, se dobram às imposições às vezes humilhantes da rede de televisão que compra os campeonatos, fecham contratos desproporcionais com empresas que descobriram tardiamente o "marketing esportivo", procuram desesperadamente recursos de onde quer que seja, e, meio debaixo do pano, financiam as tais "torcidas organizadas", essas que vão a qualquer jogo para compor a plateia do espetáculo - e muitas vezes, promover incidentes lamentáveis como esse de Oruro.
Como se vê, a profissionalização, seja lá qual for, impregna o universo do futebol. É algo irreversível.
Mas se o preço dessa "evolução" for a indiferença à vida humana, como demonstrado no caso do adolescente boliviano e em tantos outros episódios recentes ou não, impregnados de uma violência sem sentido e sem freios, o único jeito para quem realmente ama o futebol será se recolher ao mundo das lembranças, do tempo, como diria o folclórico e autêntico Felipão, atual comandante do "scratch" nacional, em que se "amarrava cachorro com linguiça".
Bons tempos aqueles em que os torcedores não eram organizados, em que as brigas das torcidas eram espontâneas e não pré-agendadas, em que os cartolas pagavam com o próprio dinheiro o "passe" dos craques, em que se levavam bandeiras dos times e não das "organizadas" aos estádios, em que se cantava o hino dos times e não refrões de guerra, em que o jogador não tinha nenhum pudor em chutar a bunda de um árbitro ladrão, nem de partir para a briga com o adversário, se a causa fosse justa.
Bons tempos esses em que o futebol era mais um esporte que um negócio, esse vil negócio que estipula em US$ 200 mil o valor da vida de um jovem morto por um foguete disparado por torcedores do clube rival.

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